A trajetória da militância política brasileira não pode ser contada sem o reconhecimento do papel fundamental que a Igreja Católica progressista desempenhou na formação de quadros durante as décadas de 1970 e 1980. Nesse contexto, figuras como Waldemar Rossi emergem como símbolos de uma época em que fé e compromisso social caminhavam de mãos dadas, forjando uma geração de militantes para quem o cristianismo não se resumia a rituais, mas se concretizava na luta por justiça.
Os movimentos da Ação Católica, especialmente a ACO (Ação Católica Operária) e a JOC (Juventude Operária Católica), junto às Comunidades Eclesiais de Base, representaram verdadeiras escolas de cidadania. Ali, formou-se uma consciência crítica alimentada simultaneamente pela análise social e pela espiritualidade libertadora, dois componentes que se tornaram indissociáveis para muitos militantes.
Waldemar Rossi personifica essa síntese entre fé e política. Sua atuação na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo representa um capítulo essencial na construção de um sindicalismo autenticamente comprometido com os interesses dos trabalhadores, recusando a conciliação subserviente com o poder econômico ou político. Mais que um ativista, Rossi foi um formador de consciências, alguém que compreendia que a transformação social exigia tanto organização coletiva quanto conversão pessoal.
O episódio no Estádio do Morumbi, em 1980, quando denunciou ao Papa João Paulo II a morte de operários sob o regime militar, não foi apenas um ato de coragem política, mas também um testemunho evangélico. Ao provocar gritos de “Liberdade” em plena ditadura, Rossi explicitava que o cristianismo autêntico não se cala diante da opressão. Sua intervenção mostrava que o diálogo entre fé e política não era um desvio, mas uma necessidade para quem levava a sério tanto o Evangelho quanto a realidade social brasileira.
A lembrança de Waldemar Rossi oito anos após sua partida nos convida a uma reflexão sobre a herança desses movimentos pastorais na formação política do Brasil contemporâneo. Como resgatá-la em tempos de polarização e instrumentalização da fé para fins eleitorais? Como reafirmar o trabalho pastoral dos leigos não como estratégia partidária, mas como exigência do ser cristão?
O testemunho de Rossi, com sua vida “correta e simples” dedicada à organização da classe trabalhadora, oferece pistas valiosas. Sua militância demonstra que o compromisso com a justiça não se esgota em discursos, mas se comprova na coerência entre palavras e práticas; que a transformação social não é obra de iluminados, mas construção coletiva nascida da base; e que a espiritualidade autêntica não foge do mundo, mas se deixa interpelar por ele.
Celebrar a memória de Waldemar Rossi significa, portanto, mais que nostalgia. É reafirmar a atualidade desses valores num tempo em que tanto a política quanto a vivência religiosa parecem cada vez mais distantes do compromisso com os marginalizados que marcou sua trajetória. É reconhecer que seu legado continua vivo nas diversas formas de resistência e organização popular que persistem, mesmo quando os holofotes midiáticos apontam para outro lado.
Ao proclamar “Waldemar Rossi Presente!”, não apenas honramos a memória de um homem, mas reafirmamos a persistência de um projeto. Um projeto que concebe a política como serviço, a fé como compromisso e a militância como expressão concreta do amor ao próximo. Um projeto que, em tempos de individualismo exacerbado e espetacularização da política, permanece como testemunho incômodo e necessário.