Política e Resenha

O Patrimonialismo à Brasileira: Quando o Público se Torna Propriedade Particular

 

 

 

 

A notícia sobre a tentativa do deputado federal Mário Negromonte Jr. de emplacar a própria esposa na vaga que será deixada pelo pai no Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia não é apenas mais um caso isolado no noticiário político brasileiro. É, na verdade, a ponta de um iceberg perverso que afunda nossa democracia: o patrimonialismo que insiste em transformar instituições públicas em feudos familiares.

Como cidadãos, sentimos um aperto no peito ao testemunhar, mais uma vez, a distribuição de cargos públicos como se fossem presentes de Natal em reunião familiar. É revoltante! Tribunais de Contas não são empresas de família. São órgãos constitucionais de fiscalização que exigem independência, competência técnica e compromisso exclusivo com o interesse público.

O caso Negromonte ilustra com clareza cristalina a persistência do velho coronelismo travestido de democracia moderna. Primeiro, o pai ocupa a cadeira no TCM. Depois, ao se aposentar, o filho – que, não por coincidência, já é deputado federal – articula para que a esposa ocupe o posto. A mensagem é clara: o cargo pertence à família, não à sociedade.

Esta prática nefasta de hereditariedade em cargos públicos não é exclusividade baiana. Pelo Brasil afora, vemos filhos, esposas, noras, genros, primos e parentes distantes ocupando espaços que deveriam ser preenchidos por meio de processos transparentes, baseados em mérito e competência técnica. A política como negócio de família corrói nossa democracia por dentro.

O pior é que naturalizamos essa realidade. Tornamo-nos anestesiados. “É assim mesmo”, muitos dizem, com um dar de ombros que simboliza a rendição coletiva. Mas não! Não pode ser assim! Precisamos recuperar nossa capacidade de indignação e transformá-la em ação concreta.

É vital lembrar que os Tribunais de Contas são órgãos de controle externo, responsáveis por fiscalizar o uso do dinheiro público. Permitir que se transformem em espaços de acomodação familiar é comprometer sua própria razão de existir. É como convidar o lobo para cuidar do galinheiro.

O mais preocupante é que casos como este revelam um problema estrutural de nossa cultura política: a dificuldade em separar o público do privado. Muitos políticos ainda agem como se o Estado fosse extensão de seu patrimônio pessoal, uma visão que remonta aos tempos coloniais, mas que teima em persistir no século XXI.

No entanto, há motivos para esperança. A sociedade brasileira tem se mostrado cada vez menos tolerante com práticas patrimonialistas. Movimentos por transparência e integridade pública ganham força. Cidadãos conscientes exigem explicações e cobram mudanças efetivas.

É hora de construir um novo paradigma político baseado em transparência, integridade e interesse público genuíno. Precisamos fortalecer mecanismos de controle social, aprimorar a legislação contra o nepotismo e exigir critérios técnicos e objetivos para a ocupação de cargos públicos.

O Brasil merece instituições que funcionem para todos, não apenas para alguns poucos privilegiados. A democracia que sonhamos não tem espaço para feudos familiares. A indignação deve ser nosso combustível, não para o ódio estéril, mas para a transformação consistente de nossas práticas políticas.

O caso Negromonte é apenas um sintoma. A doença é mais profunda. Tratá-la exige vigilância constante e ação cidadã. A verdadeira soberania popular não se resume ao voto a cada dois anos, mas ao acompanhamento cotidiano das decisões políticas e à cobrança permanente por ética e responsabilidade.

Nossa democracia merece mais. Nosso povo merece melhor.