Política e Resenha

O Rubicão da democracia brasileira

 

O que têm em comum Júlio César e Alexandre de Morais? Ambos enfrentaram um momento decisivo na história de suas nações, em que tiveram que escolher entre se omitir e não aplicar às leis ou defender a democracia. Ambos optaram pela segunda opção, sabendo que isso implicaria em uma guerra contra as forças do autoritarismo. Ambos lançaram a sorte, esperando que a história os julgasse favoravelmente.

 

Júlio César foi um dos maiores generais e políticos da Roma Antiga. Ele conquistou a Gália, derrotou Pompeu e se tornou o grande herói de Roma. Mas antes disso, ele teve que enfrentar o Senado, que o considerava uma ameaça à república e queria desarmá-lo e processá-lo. Para evitar isso, ele atravessou o rio Rubicão, que era a fronteira entre a Gália Cisalpina e a Itália, com suas tropas leais. Ao fazer isso, ele violou a lei e iniciou uma guerra civil contra o Senado e seus aliados. Ele sabia que não havia mais volta, e que o destino de Roma estava em jogo. Por isso, ele pronunciou a famosa frase: “Alea jacta est” (A sorte está lançada).

 

Alexandre de Morais é um dos ministros do Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte de justiça do Brasil. Ele é o relator de dois inquéritos que investigam ataques à democracia, à Constituição e ao próprio STF, por parte de grupos extremistas, bolsonaristas e militares. Na semana passada, ele autorizou a Polícia Federal a deflagrar uma operação que prendeu vários suspeitos de envolvimento em um plano golpista, que pretendia destituir os ministros do STF e instaurar uma ditadura militar no Brasil. Entre os presos, estavam vários militares de alta patente. Ao fazer isso, ele desafiou o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é o líder e o ídolo desses grupos, e que já havia ameaçado o STF e a democracia várias vezes. Ele sabia que isso provocaria uma reação violenta e que colocaria sua vida em risco. Por isso, ele agiu com coragem e determinação, em defesa da democracia.

 

O que esses dois episódios históricos nos ensinam? Que a democracia não é algo dado, mas algo que precisa ser conquistado e defendido constantemente. Que há momentos em que é preciso desafiar a classe política e militar que servem aos interesses de uma elite corrupta e antidemocrática. Que há momentos em que é preciso enfrentar o poder estabelecido, mesmo que isso signifique uma guerra. Que há momentos em que é preciso lançar a sorte, confiando na razão, na justiça e no povo.

 

Não sabemos como terminará a crise política que o Brasil vive atualmente. Não sabemos se Alexandre de Morais e o STF conseguirão colocar na cadeia todos  aqueles que  tramaram contra a democracia. Não sabemos se o povo brasileiro se mobilizará em defesa de seus direitos e de sua liberdade. Mas sabemos que esse é um momento crucial, um momento de Rubicão, em que o futuro do Brasil está em jogo. E sabemos que, como Júlio César, Alexandre de Morais lançou a sorte. E nós, de que lado estamos?