A chamada de Bell Marques para o Miconquista, a micareta de Vitória da Conquista, me transportou de volta ao início da década de 1980. Uma época em que a inovação, a ousadia e o talento de jovens músicos transformaram para sempre o carnaval baiano, consolidando o trio elétrico como o coração pulsante da festa. Mais especificamente, me fez lembrar de 1981 e a revolução sonora protagonizada pelo Bloco Traz os Montes.
Até então, o trio elétrico, embora já presente no carnaval, possuía limitações sonoras significativas. Os instrumentos de percussão, bumbos e caixas, posicionados nas laterais, geravam um som disperso e de qualidade inferior. A grande sacada do Traz os Montes foi ousada e simples: retirar esses instrumentos das laterais e concentrar toda a percussão no alto do trio. Essa mudança aparentemente pequena resultou na formação da primeira banda completa sobre um trio elétrico, uma verdadeira orquestração móvel.
A substituição estratégica da percussão lateral por mais caixas de som elevou a qualidade do som a um nível até então inimaginável. A nitidez e a definição sonora surpreenderam a todos, inclusive os mais céticos. Recordo-me da anedota do radialista Cristovam Rodrigues, que, duvidando da perfeição do som, subiu ao trio com microfone e câmera para comprovar se a alta definição era, de fato, ao vivo. Era. A prova incontestável de uma inovação técnica que havia mudado o jogo.
O impacto dessa transformação foi revolucionário. A democratização da música baiana se tornou uma realidade. Bandas que antes sonhavam em alcançar sucesso no eixo Rio-São Paulo passaram a enxergar no trio elétrico um palco principal, uma plataforma de projeção sem precedentes. Salvador ganhou uma identidade sonora única, um estilo próprio que ecoou por todo o Brasil e conquistou o mundo.
A presença de Bell Marques no Miconquista, com datas confirmadas para 19 e 20 de abril, reforça a importância desse legado. Sua escolha como atração principal simboliza a continuidade dessa história de inovação e sucesso. O “eterno rei do axé” não apenas vivenciou essa revolução, mas foi um ator fundamental dela. Sua apresentação no Boulevard Shopping, em um trio elétrico ao pôr do sol, promete ser um espetáculo memorável, um lembrete do impacto que ele e seus contemporâneos tiveram na música brasileira.
O trio elétrico nunca mais foi o mesmo. O carnaval, impulsionado por essa inovação, tornou-se maior, mais intenso e vibrante. Reflete o espírito criativo e a alegria contagiante que são marcas registradas da Bahia. Que o Miconquista celebre essa história e que o legado do trio elétrico continue a pulsar em nossos corações! O som que invade as ruas hoje não é apenas música; é história pura, a prova de que uma ideia ousada, combinada com talento e coragem, pode transformar para sempre a cultura de um povo.