“Não se pode fazer política com o fígado, conservando rancor e ressentimentos na geladeira”. Esta frase, cunhada pelo saudoso Ulysses Guimarães, ecoa com uma atualidade desconcertante quando analisamos o cenário político de Vitória da Conquista. O Dr. Ulysses, figura emblemática da política brasileira entre as décadas de 60 e 90, não apenas marcou sua trajetória com ações decisivas, mas também com frases memoráveis que sintetizavam, com precisão e bom humor, as complexidades do jogo político.
Enquanto Ulysses reconhecia abertamente sua paixão pelo poder – “Sou louco pelo poder, seduzido pelo poder e é para isso que eu vivo” – ele também compreendia que a política exige racionalidade e não pode ser movida por ressentimentos pessoais. Infelizmente, é exatamente o contrário que testemunhamos hoje em um dos mais importantes municípios baianos.
O paradoxo democrático de Vitória da Conquista
Com mais de 350 mil habitantes, Vitória da Conquista vive um contrassenso democrático que merece reflexão. A prefeita Sheila Lemos, eleita com expressiva votação popular, enfrenta uma sistemática exclusão na distribuição de emendas parlamentares pelos deputados estaduais e federais mais votados no próprio município. O que justificaria tal comportamento senão a “política feita com o fígado” que Ulysses tanto condenava?
A prefeitura municipal, independentemente do partido que a ocupe, representa institucionalmente a principal executora de políticas públicas essenciais. É ela quem administra hospitais, escolas, programas sociais e infraestrutura urbana. Contudo, parlamentares que receberam votos expressivos de conquistenses optam deliberadamente por ignorar esta realidade, direcionando recursos para entidades privadas ou projetos desconectados da gestão municipal.
A retórica da participação que exclui
É no mínimo contraditório que parlamentares anunciem com entusiasmo iniciativas de “democracia participativa” – com editais e assembleias populares para distribuir parte de suas emendas – enquanto excluem do processo justamente a instituição com maior legitimidade democrática e capacidade técnica para implementar políticas de impacto: a própria prefeitura.
Se o verdadeiro objetivo fosse fortalecer a democracia local, não seria lógico incluir a gestão municipal nesse diálogo? A participação popular autêntica não deveria contemplar todas as esferas de representação democrática, especialmente aquela eleita diretamente para gerir a cidade?
O jogo político das emendas e seus efeitos
A estratégia por trás dessa exclusão é tão antiga quanto nociva: ao negar recursos à prefeitura, cria-se artificialmente um cenário de “ineficiência” do poder público, que posteriormente justifica o direcionamento de verbas para iniciativas privadas. É o que poderíamos chamar de política do enfraquecimento institucional.
Como diria Ulysses, em outra de suas tiradas certeiras sobre campanhas eleitorais: “Adoro as campanhas políticas. Dão-me transporte, de comer e de beber, o melhor quarto da casa, aplausos, votos, e ainda me chamam de estadista”. A ironia é que, passadas as eleições, alguns desses “estadistas” parecem se esquecer de suas responsabilidades com o bem público.
Federalismo cooperativo ou retaliação partidária?
O princípio do federalismo cooperativo pressupõe colaboração entre as diferentes esferas de governo para maximizar o benefício público. Quando deputados tratam a gestão municipal como adversária – e não como parceira institucional – os prejudicados são os cidadãos que dependem de políticas públicas integradas e eficientes.
A derrota eleitoral, que deveria ser absorvida com espírito democrático, transformou-se em retaliação institucional. Como resultado, recursos que poderiam fortalecer serviços essenciais são pulverizados em iniciativas fragmentadas, sem a coordenação que apenas o poder público municipal poderia oferecer.
O caminho para uma democracia madura
Vitória da Conquista merece mais que discursos. Merece representantes que, como sugeria Ulysses Guimarães, façam política com o cérebro, não com o fígado. Representantes que entendam que o fortalecimento da democracia passa pelo respeito às instituições eleitas, independentemente de quem as ocupe.
Assembleis participativas e editais para organizações sociais são avanços importantes, mas não podem substituir o papel constitucional do poder público municipal. A verdadeira inovação política não está em criar estruturas paralelas ao Estado, mas em fortalecer as instituições com transparência e controle social.
Se os parlamentares de Vitória da Conquista desejam honrar os votos recebidos, precisam compreender que a política não pode ser reduzida a um jogo de facções política. Estes homens públicos não podem se esquecer que a prefeita como disse o Dr. Ulysses, parece um pão-de-ló “quanto mais bate, mais ela cresce” – a democracia se fortalece com o debate e a divergência, não com o boicote e a exclusão.
Governar é incluir, não excluir quem foi legitimamente eleito para servir. Esta lição, que Ulysses Guimarães nos deixou em suas memoráveis frases, permanece como um lembrete necessário para todos aqueles que verdadeiramente se comprometem com o aperfeiçoamento democrático.