É absolutamente espantoso o teatro político que testemunhamos nos últimos dias. Um ex-presidente da República, internado após procedimento cirúrgico, transforma seu leito hospitalar em estúdio de transmissão, recebe apoiadores e se comunica com o país inteiro através de uma live, mas quando a Justiça bate à sua porta, surgem vozes que questionam a legitimidade e a humanidade desse ato judicial!
Sejamos claros e diretos: a decisão do ministro Alexandre de Moraes de autorizar a intimação de Jair Bolsonaro em seu leito hospitalar não foi apenas correta – foi absolutamente necessária diante das circunstâncias criadas pelo próprio ex-presidente.
Como podemos aceitar a narrativa de que alguém estaria “frágil demais” para receber um documento oficial, quando esta mesma pessoa demonstra vigor suficiente para protagonizar uma transmissão ao vivo para milhares de seguidores? A contradição é gritante e revela a estratégia que vem sendo sistematicamente utilizada: uma tentativa clara de criar uma redoma de proteção contra as consequências de seus próprios atos.
As imagens não deixam dúvidas. Se Bolsonaro tinha condições físicas e psicológicas para se comunicar com o país, articular discurso político e receber visitantes no hospital, não havia qualquer impedimento real para que também recebesse o oficial de Justiça. A internação em UTI, por mais séria que seja, não pode servir como escudo contra os processos legais quando o próprio paciente demonstra capacidade para outras atividades de natureza pública.
O que veríamos se a Justiça se omitisse diante desse cenário? Um perigoso precedente onde leitos hospitalares poderiam se transformar em territórios de exceção judicial, em santuários de impunidade temporária. E não podemos, como nação que ainda cicatriza as feridas de tentativas de ruptura democrática, permitir que nosso sistema judicial seja manipulado dessa forma.
É profundamente perturbador que parte da sociedade ainda não compreenda que a igualdade perante a lei é pilar fundamental da democracia que tanto lutamos para preservar. Se a Justiça fechasse os olhos diante da clara capacidade do ex-presidente em receber a intimação, estaria falhando com seu dever constitucional e enviando uma mensagem devastadora: a de que alguns cidadãos estão acima da lei.
Não se trata de perseguição ou de falta de humanidade, como alguns tentam caracterizar. Trata-se de responsabilidade institucional. O STF não estava pedindo que Bolsonaro se levantasse do leito ou interrompesse tratamentos médicos essenciais – estava apenas entregando um documento que ele demonstrou plena capacidade de receber e assinar, como de fato o fez às 12h47.
Esta situação não foi criada pela Justiça, mas pelo próprio ex-presidente, que optou por utilizar sua condição de internação como palco político. Não podemos normalizar esta estratégia onde figuras públicas buscam os benefícios da exposição midiática enquanto tentam se esquivar das responsabilidades legais usando a mesma condição como escudo.
Nossa democracia ainda jovem e frágil exige que as instituições funcionem com independência e coragem, aplicando a lei de forma igualitária a todos os cidadãos. Quando um ex-presidente responde por acusações tão graves como tentativa de golpe de Estado, a firmeza institucional não é apenas desejável – é absolutamente vital para o futuro da República.
O episódio da intimação no hospital permanecerá como um importante marco: o dia em que nossa Justiça demonstrou que nenhuma live, nenhum palco improvisado em UTI, nenhuma tentativa de manipular a opinião pública será suficiente para criar zonas de exceção judicial em nossa democracia.
Precisamos urgentemente superar este ciclo onde figuras poderosas tentam transformar processos legais em batalhas de narrativas. A verdadeira fragilidade de nossa sociedade não está na firmeza da Justiça, mas na persistente tentativa de alguns em se colocarem acima dela.
Que este momento nos sirva como lição cívica: no Brasil que queremos construir, a lei alcança a todos – no Palácio do Planalto, nas ruas ou mesmo nos leitos hospitalares transformados em palanques políticos. É assim que honramos nossa Constituição e fortalecemos nossa democracia ainda cicatrizante.