Política e Resenha

Quem vai querer “adotar” a nova concessionária da BR-116? A velha política de sempre

 

 

Por Padre Carlos

Quando uma obra pública de grande porte se anuncia, um velho espetáculo – já tão manjado quanto indigno – ganha a cena: a romaria de políticos tentando “adotar” o projeto como se fosse fruto exclusivo de sua genialidade e empenho. A concessão da BR-116 na Bahia é o mais novo palco dessa encenação.

O processo está em andamento e, como é próprio da democracia, audiências públicas foram agendadas em Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista. Trata-se de uma exigência legal, parte do ritual de qualquer concessão que envolva interesses públicos e investidores internacionais. Nenhum favor está sendo feito. Nenhuma generosidade de gabinete. É apenas o cumprimento de uma conquista da sociedade brasileira: o direito de ser ouvida.

No entanto, basta olhar para o calendário para prever o que virá. No próximo dia 8 de maio, em Vitória da Conquista, enquanto a sociedade civil, lideranças comunitárias, empresários e cidadãos comuns debaterão seriamente o futuro da rodovia, veremos também o desfile de oportunistas de sempre. Câmeras à postos, notas à imprensa redigidas, discursos inflamados prontos para serem vomitados: a tentativa será, mais uma vez, capturar para si a glória de um processo que pertence, na verdade, ao povo.

A duplicação de 390 km da BR-116 entre Feira de Santana e a divisa com Minas Gerais, a construção de cinco viadutos no entorno de Vitória da Conquista e outras melhorias anunciadas não nasceram da canetada milagrosa de nenhum deputado ou senador. São reivindicações históricas, fruto de décadas de mobilização popular, de lágrimas derramadas em acidentes evitáveis, de famílias destruídas pela precariedade de uma infraestrutura abandonada.

É revoltante, sim. Mas é também previsível. A cultura política brasileira ainda é profundamente viciada na prática do “padrinho de obra pública”, em que governantes e parlamentares tentam transformar cada conquista popular em troféu de marketing eleitoral. Precisamos recusar essa farsa.

A população baiana não pode permitir que essa duplicação – vital para a segurança, para a vida e para o desenvolvimento econômico da região – seja apropriada por interesses particulares. A BR-116 melhorada não é, e nunca será, presente de político algum. É, sim, uma dívida histórica com a sociedade, paga com o suor, os impostos e a luta de quem diariamente enfrenta seus riscos.

O verdadeiro “pai da criança” é o cidadão anônimo que percorre esses 390 km de asfalto quente e esburacado, que convive com o medo a cada ultrapassagem, que há anos cobra o que é de direito. É o povo baiano. São todos aqueles que nunca tiveram gabinete nem holofote, mas que sustentam a democracia brasileira com sua perseverança.

Que as audiências públicas sirvam para o que devem servir: ouvir o povo, registrar demandas reais, ajustar projetos à necessidade coletiva e garantir, na assinatura do contrato de concessão, cláusulas rígidas para proteger o interesse público.

E que a nova concessionária saiba desde já: a fiscalização será implacável. Não se trata apenas de construir viadutos e duplicar pistas, mas de honrar uma história de sofrimento e de esperança.

Neste momento crucial, o nosso papel como sociedade é claro: participar, fiscalizar, cobrar e não nos deixar enganar por discursos vazios. A BR-116 segura e moderna que queremos será, acima de tudo, uma vitória popular – e só a história, justa e impiedosa, saberá dar a paternidade correta a quem realmente a merece.