A Pituba do final dos anos 40 era um lugar de encantos sutis, onde a brisa do Atlântico se mesclava à inquietude da boemia soteropolitana. As noites desciam devagar, como um suspiro abafado, envolvendo as ruas em um manto de sombras amenas e promessas noturnas. Entre as casas esparsas e as vielas que serpenteavam em direção ao mar, a vida ganhava um ritmo próprio, ditado pelo som das ondas que vinham morrer no Chega Nego, aquele ponto onde os segredos se dissolviam na areia, e as histórias, como a daquela morena, tomavam corpo e alma.
A figura da morena da Ulbaranas já circulava como lenda viva. Havia nela um magnetismo que atraía curiosos, sonhadores e desavisados. As rodas de samba que se formavam em bares como o Bico de Ferro, e os sons que escapavam da Boate de Aurino, faziam parte de um cenário onde o tempo parecia fluir diferente. Os versos de Filinho, marcados pela cadência do violão e pelo cheiro do tabaco, eternizavam o nome daquela mulher de olhar profundo e presença fugidia.
Eu, observador das sutilezas da vida, perambulava sem pressa pelas ruas, deixando o vento noturno acariciar meu rosto, enquanto as luzes dos postes amarelados davam vida a sombras que pareciam dançar ao ritmo das histórias de amores passageiros. E então, entre a névoa leve da maresia e o som do samba que vazava pelas janelas abertas, lá estava ela. A morena da Ulbaranas.
Seu andar era firme, quase altivo, como se o destino a seguisse de perto, mas nunca a alcançasse. Não era só sua beleza que chamava atenção, mas o mistério que ela carregava. Algo inatingível, como o brilho da lua refletido no mar. O que a tornava tão fascinante era sua presença silenciosa. Ela não precisava falar, seu simples estar já preenchia o espaço, e a música de Filinho parecia narrar cada passo seu, cada suspiro que ela deixava escapar.
Naquela noite, enquanto o samba ecoava e as conversas nas mesas iam ficando mais altas, percebi que a morena da Ulbaranas não era apenas uma personagem dos contos da noite, mas sim o espírito inquieto de uma Pituba que estava viva, mas que, ao mesmo tempo, já começava a ser tocada pelo sopro das mudanças. Ela era a síntese de um tempo em que a simplicidade e a boemia ainda dominavam as margens da cidade, onde a areia da praia se misturava aos sonhos dos que ali viviam.
E assim, ao final da noite, ela desapareceu nas mesmas sombras que a trouxeram, deixando para trás apenas o eco de sua passagem e a certeza de que, na próxima noite, a Pituba estaria ali, à espera de novas histórias, novos amores e novas lendas. Porque, na verdade, a Pituba era isso: um lugar onde o real e o imaginário se confundiam, e onde a morena da Ulbaranas sempre estaria, entre um samba e outro, guardada na memória de todos que ousaram se perder naquela noite.
Padre Carlos