Há uma pergunta que persegue filósofos, educadores e líderes políticos: como inspirar os jovens a transformar o Brasil e o mundo em um lugar mais justo? Como professor de filosofia, minha resposta é clara: a principal tarefa de nossa geração não é doutrinar, mas provocar sonhos coletivos e, acima de tudo, dar exemplo de vida que legitime esses sonhos. Foi com essa convicção que mergulhei na leitura de Borboletas e Lobisomens, do jornalista Hugo Studart, obra que resgata a epopeia trágica da Guerrilha do Araguaia. Entre relatos de heroísmo e ingenuidade, o livro não apenas revisita o passado, mas acende um debate urgente: qual é o combustível dos sonhos que moverão as juventudes de hoje?
A Guerrilha do Araguaia: Quando o Sonho Superou a Realidade
A história dos 71 guerrilheiros que, nos anos 1970, desafiaram o Exército brasileiro na selva amazônica é um retrato de coragem e contradição. Eram jovens urbanos, muitos estudantes, que trocaram as salas de aula pelas armas, movidos pelo desejo de implantar o socialismo em um país sob ditadura. Studart descreve com precisão como suas ideologias, importadas de modelos soviéticos e chineses, colidiam com a realidade da floresta e da guerra assimétrica. Enquanto lutavam, o mundo mudava: a globalização emergia, o muro de Berlim ainda não havia caído, e novos movimentos, como a contracultura e o ambientalismo, questionavam os dogmas das revoluções armadas.
O paradoxo é revelador: aqueles jovens sonhavam em “fazer história”, mas a história seguia um curso que eles não controlavam. Sua luta, porém, não foi em vão. Como escreve Studart, o que os unia não era apenas a ideologia, mas um sonho coletivo de liberdade — ainda que aprisionado a métodos anacrônicos.
Do Araguaia às Urnas: A Metamorfose dos Sonhos
A lição da Guerrilha do Araguaia não está em suas táticas fracassadas, mas em sua capacidade de gerar mitos que transcendem o fracasso. Os guerrilheiros foram derrotados militarmente, mas seu legado questiona: como recriar, no século XXI, essa energia transformadora, sem repetir os erros do passado?
A resposta está em entender que as trincheiras de hoje não são a selva, mas as urnas, as salas de aula, os algoritmos das redes sociais e os laboratórios de inovação. A juventude atual não precisa pegar em armas para mudar o mundo; precisa, isso sim, de sonhos tão ousados quanto os daqueles guerrilheiros, mas adaptados aos novos tempos. Sonhos que combatam a desigualdade com tecnologia inclusiva, que enfrentem a crise climática com economia verde, e que construam democracia com participação popular — não com autoritarismos disfarçados de salvacionismo.
O Exemplo que Falta: Filósofos, Políticos e a Crise de Legitimidade
Aqui reside o desafio central: como legitimar os sonhos coletivos em uma era de descrença? Os jovens de hoje, bombardeados por notícias de corrupção, destruição ambiental e polarizações estéreis, desconfiam tanto de políticos quanto de utopias. A saída não está em discursos grandiloquentes, mas em exemplos concretos.
Quando estudamos a Guerrilha do Araguaia, vemos que os combatentes, apesar de todos os equívocos, arriscaram a vida por algo maior que eles mesmos. Hoje, quantos líderes estão dispostos a abrir mão de privilégios pelo bem comum? Quantos filósofos descem de suas torres de marfim para sujar as mãos na realidade? A crise de credibilidade das instituições não se resolve com retórica, mas com integridade que inspire.
Sonhos para o Antropoceno: Uma Agenda para o Futuro
Inspirado por Studart, proponho três eixos para os sonhos coletivos de nossa época:
- Democracia Radical: Não basta votar a cada dois anos; é preciso ocupar espaços de decisão, das assembleias escolares aos fóruns digitais, e exigir transparência.
- Economia da Vida: Substituir a lógica do lucro a qualquer custo por modelos que valorizem a sustentabilidade, os direitos trabalhistas e a justiça social.
- Educação como Revolução: Transformar escolas em laboratórios de cidadania, onde se aprenda tanto a programar quanto a cultivar hortas comunitárias.
Conclusão: O Fogo que Não se Apaga
Os guerrilheiros do Araguaia falharam em implantar o socialismo, mas acenderam uma chama que ainda ilumina perguntas essenciais: O que vale a pena lutar? Como resistir ao cinismo?
Aos filósofos e políticos do presente, cabe a tarefa de reacender essa chama — não com slogans do passado, mas com sonhos que falem à complexidade do mundo atual. Se queremos que os jovens acreditem no futuro, precisamos mostrar, com ações, que outro Brasil e outro mundo são possíveis. Como escreveu o poeta Thiago de Mello, “Faz escuro, mas eu canto”. Que nosso canto seja um convite à esperança militante.