Um recente posicionamento do Tribunal do Supremo Federal (STF) – através da decisão do ministro Flávio Dino, que liberou repasses de emendas para nove entidades e manteve o bloqueio para outras duas – reacende um debate urgente sobre o uso do controle judicial. Essa medida, ainda que represente um avanço no fortalecimento da fiscalização, evidencia a dificuldade de se romper com um sistema que, ao mesmo tempo em que permite manobras orçamentárias políticas, pode minar a transparência e, consequentemente, a própria democracia.
O Contexto: Entre Aprovações e Rejeições
Na última terça-feira (4), seguindo recomendações da Controladoria-Geral da União (CGU), Dino aprovou repasses para organizações voltadas à pesquisa e à educação, como a Fundação de Apoio Federal de Pernambuco e o Instituto do Câncer de Londrina. Em contrapartida, os recursos destinados à Associação Moriá e ao projeto Programando o Futuro permaneceram suspensos. O critério adotado foi a transparência: emendas que não garantissem a devida rastreabilidade foram rejeitadas, em resposta ao escândalo do “orçamento secreto”, no qual universidades direcionavam verbas para entidades sem o devido escrutínio público.
Decisão e Desafios Estruturais
A decisão de Dino insere-se num esforço maior de coibir abusos, mas também evidencia uma tensão estrutural que perdura há décadas entre os Poderes Executivo e Legislativo. Liberar ou bloquear recursos não é meramente uma questão técnica; trata-se de um ato político que pode tanto afastar quanto aproximar os setores envolvidos, contribuindo para crises institucionais quando mal conduzido.
Avanços e Reconhecimento
Não há dúvidas de que a atuação do ministro merece reconhecimento. Ao exigir auditoria rigorosa e condicionar os repasses a objetivos claros, o STF cumpre seu papel de frear práticas obscuras e promover a transparência. A CGU, por sua vez, tem sido uma aliada essencial na identificação de irregularidades, mesmo que seus métodos ainda deixem a desejar em alguns aspectos.
O Problema Estrutural: O Modelo das Emendas Parlamentares
Apesar dos avanços, o grande desafio reside no modelo das emendas parlamentares. Enquanto deputados e senadores continuarem com a liberdade de direcionar verbas conforme seus interesses – seja para consolidar bases eleitorais ou favorecer interesses particulares – o risco de desvio e o clientelismo persistirão, comprometendo o interesse coletivo e a efetiva transparência.
O Orçamento Secreto: Práticas que Persistem
O termo “orçamento secreto” ganhou notoriedade em 2021, quando foi revelado que certos repasses eram destinados a entidades sem qualquer identificação pública. Mesmo após a reação do STF e a decisão de 2022, a prática persiste sob novas roupagens. O PSOL, inclusive, alertou que, apesar das mudanças, ainda existem brechas que permitem a continuidade do repasse de verbas sem o controle social adequado.
Medidas Contundentes e os Limites da Reforma
A decisão de bloquear os repasses para duas entidades por falta de transparência, enquanto recomenda ajustes para outras, mostra que ainda se toleram falhas graves no sistema. A desatualização dos canais de prestação de contas, como sites institucionais defasados, levanta dúvidas sobre a efetividade das medidas adotadas e sobre a real capacidade das instituições de prestar contas à sociedade.
O Jogo dos Repasses: Política e Judicialização
Não se pode ignorar o impacto prático dessas decisões. Emendas parlamentares têm se tornado verdadeiras moedas de troca para a aprovação de projetos do Executivo no Congresso. Ao bloquear ou liberar recursos, o STF intervém em um tabuleiro político delicado, onde cada movimento pode gerar retaliações ou fechar acordos. Essa judicialização, ainda que bem-intencionada, pode alimentar um ciclo de confrontos entre os Poderes, dificultando reformas profundas.
Conclusão: O Caminho a Ser Trilhado
A postura de Dino e o papel da CGU são vitais, mas é urgente que o Brasil reformule radicalmente o sistema de emendas parlamentares, transformando-o em uma ferramenta baseada em planejamento estratégico e metas claras de políticas públicas. Transparência não é um fim em si mesma, mas um meio para que o Congresso, pressionado pela sociedade e pelo Judiciário, renuncie a privilégios e adote critérios democráticos no uso do dinheiro público. A decisão recente serve de alerta: o combate ao “orçamento secreto” está longe de ser concluído, e a negligência nesse processo terá reflexos diretos em áreas essenciais como saúde, educação e pesquisa.