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A morte de Gustavo Guti\u00e9rrez, aos 96 anos, marca o fim de uma era para a Teologia da Liberta\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m o in\u00edcio de um novo ciclo de reconhecimento e reflex\u00e3o sobre o papel prof\u00e9tico desse grande te\u00f3logo. Fundador de uma corrente que, por d\u00e9cadas, foi marginalizada dentro da Igreja, Guti\u00e9rrez representou a voz dos oprimidos e desafiou a hierarquia eclesi\u00e1stica a reconsiderar sua miss\u00e3o. A not\u00edcia de seu falecimento, veiculada pela Folha de S\u00e3o Paulo, \u00e9 um lembrete do legado deixado por ele e da import\u00e2ncia de preservar sua mensagem e obra .<\/p>\n
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Por muito tempo, a Teologia da Liberta\u00e7\u00e3o foi vista com desconfian\u00e7a, sendo alvo de condena\u00e7\u00f5es e silenciamento, especialmente durante o pontificado de Jo\u00e3o Paulo II e o rigor da Congrega\u00e7\u00e3o para a Doutrina da F\u00e9. As an\u00e1lises marxistas de Guti\u00e9rrez, ainda que focadas na injusti\u00e7a social e no empoderamento dos pobres, foram mal interpretadas como amea\u00e7as ideol\u00f3gicas. Contudo, ao longo dos \u00faltimos anos, com o pontificado do Papa Francisco, a vis\u00e3o come\u00e7ou a mudar. Desde 2013, Guti\u00e9rrez foi recebido no Vaticano, em um gesto de repara\u00e7\u00e3o e di\u00e1logo, sinalizando uma nova postura em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 Teologia da Liberta\u00e7\u00e3o e seu papel na miss\u00e3o pastoral.<\/p>\n
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O recente convite para que Guti\u00e9rrez falasse em Roma, encerrando d\u00e9cadas de censura de seu pensamento, foi um marco n\u00e3o apenas para sua figura pessoal, mas para todos os que, como ele, foram marginalizados. A op\u00e7\u00e3o preferencial pelos pobres, um conceito central da Teologia da Liberta\u00e7\u00e3o, foi ratificado pelas Confer\u00eancias Episcopais Latino-Americanas, particularmente em Puebla, em 1979. Essa abordagem sempre ecoou as decis\u00f5es do Conc\u00edlio Vaticano II, que abriram caminho para uma Igreja mais comprometida com as realidades sociais e econ\u00f4micas das comunidades mais vulner\u00e1veis.<\/p>\n
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\u00c9 ineg\u00e1vel que parte da hesita\u00e7\u00e3o da Igreja em aceitar plenamente a Teologia da Liberta\u00e7\u00e3o derivou do medo de que sua leitura marxista corrompesse a pureza do Evangelho. Em plena Guerra Fria, quando o mundo vivia o embate entre capitalismo e comunismo, as ferramentas de an\u00e1lise social inspiradas no marxismo geraram temor. No entanto, como ocorreu com o platonismo em s\u00e9culos anteriores, que introduziu a dicotomia alma-corpo na teologia crist\u00e3, a Igreja tamb\u00e9m enfrentou desafios ao integrar novas filosofias ao seu pensamento. Mas isso n\u00e3o significa que todos os elementos dessas correntes sejam incompat\u00edveis com o cristianismo. A filosofia marxista, como toda ferramenta cr\u00edtica, pode oferecer insights v\u00e1lidos, desde que n\u00e3o se sobreponha \u00e0 mensagem central do Evangelho.<\/p>\n
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Assim, a Teologia da Liberta\u00e7\u00e3o sempre defendeu que as ci\u00eancias humanas, como a sociologia, a psicologia e a antropologia, devem ser vistas como aliadas na compreens\u00e3o da realidade humana. Durante muito tempo, essas disciplinas foram encaradas com desconfian\u00e7a pela Igreja. No entanto, sua contribui\u00e7\u00e3o para a a\u00e7\u00e3o pastoral \u00e9 ineg\u00e1vel. Hoje, mais do que nunca, \u00e9 fundamental que a Igreja acolha essas ferramentas e as utilize em sua miss\u00e3o de anunciar o Evangelho de forma mais eficaz, especialmente junto aos pobres.<\/p>\n
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O falecimento de Gustavo Guti\u00e9rrez, embora triste, tamb\u00e9m \u00e9 um momento de reflex\u00e3o. O sil\u00eancio que lhe foi imposto por muitos anos n\u00e3o pode mais ser tolerado. A Igreja precisa se abrir para o di\u00e1logo, n\u00e3o apenas com os te\u00f3logos que desafiam o status quo, mas com todos aqueles que foram exclu\u00eddos de sua comunh\u00e3o plena. Mulheres, padres casados e leigos afastados da mesa eucar\u00edstica tamb\u00e9m t\u00eam suas vozes sufocadas pela estrutura eclesial. N\u00e3o podemos mais aceitar essa exclus\u00e3o.<\/p>\n
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O convite feito a Guti\u00e9rrez para falar em Roma, antes de sua morte, foi um gesto significativo, mas insuficiente. Seu sofrimento e o de muitos outros n\u00e3o pode ser apagado com simples homenagens. \u00c9 preciso ir al\u00e9m e garantir que, daqui em diante, a Igreja seja um espa\u00e7o de inclus\u00e3o e acolhimento para todos, especialmente para aqueles que buscam justi\u00e7a e equidade.<\/p>\n
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O legado de Guti\u00e9rrez n\u00e3o \u00e9 apenas uma teologia para os pobres, mas uma teologia que exige que a Igreja seja um agente ativo na transforma\u00e7\u00e3o social. Seu falecimento nos lembra que a miss\u00e3o da Igreja n\u00e3o \u00e9 apenas espiritual, mas tamb\u00e9m pol\u00edtica e social, e que, como crist\u00e3os, temos o dever de lutar por um mundo mais justo.<\/p>\n
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O desafio que permanece \u00e9: como a Igreja pode continuar o trabalho de Gustavo Guti\u00e9rrez sem cair nos mesmos erros do passado? A resposta est\u00e1 no reconhecimento de que o Evangelho deve ser encarnado nas realidades do mundo e que, para isso, a Igreja precisa estar aberta ao novo, ao diferente e ao prof\u00e9tico.<\/p>\n
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