{"id":16406,"date":"2025-03-16T14:10:03","date_gmt":"2025-03-16T17:10:03","guid":{"rendered":"https:\/\/politicaeresenha.com.br\/?p=16406"},"modified":"2025-03-16T14:10:03","modified_gmt":"2025-03-16T17:10:03","slug":"o-dia-em-que-o-estado-brasileiro-traiu-seu-povo-35-anos-do-confisco-das-poupancas-padre-carlos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/politicaeresenha.com.br\/o-dia-em-que-o-estado-brasileiro-traiu-seu-povo-35-anos-do-confisco-das-poupancas-padre-carlos\/","title":{"rendered":"O DIA EM QUE O ESTADO BRASILEIRO TRAIU SEU POVO: 35 ANOS DO CONFISCO DAS POUPAN\u00c7AS (Padre Carlos)"},"content":{"rendered":"
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H\u00e1 exatos 35 anos, em 16 de mar\u00e7o de 1990, o Brasil testemunhou um dos epis\u00f3dios mais vergonhosos de sua hist\u00f3ria democr\u00e1tica recente. N\u00e3o foi um mero erro de c\u00e1lculo econ\u00f4mico ou uma pol\u00edtica mal implementada. Foi uma trai\u00e7\u00e3o institucionalizada, um assalto oficializado \u00e0 confian\u00e7a e ao patrim\u00f4nio do cidad\u00e3o brasileiro.<\/p>\n
O rec\u00e9m-empossado presidente Fernando Collor de Mello, que havia assumido a presid\u00eancia apenas um dia antes, implementou o que ficou conhecido como “Plano Collor”, um conjunto de medidas econ\u00f4micas que inclu\u00eda o confisco de 80% de todos os dep\u00f3sitos em contas correntes e poupan\u00e7as que excedessem 50 mil cruzeiros (aproximadamente R$ 6.000 em valores atualizados). Este n\u00e3o foi apenas um ato do governo, foi uma a\u00e7\u00e3o do Estado brasileiro em sua totalidade – aprovada pelo Congresso, validada pelo Judici\u00e1rio, executada pelo Executivo.<\/p>\n
\u00c9 imperativo entender: n\u00e3o estamos falando apenas do governo Collor. O confisco foi uma trai\u00e7\u00e3o perpetrada pelo Estado brasileiro em sua complexidade institucional. O Congresso Nacional, que deveria representar os interesses do povo, n\u00e3o apenas permitiu, mas chancelou a medida. O Supremo Tribunal Federal, guardi\u00e3o da Constitui\u00e7\u00e3o promulgada apenas dois anos antes, considerou constitucional a viola\u00e7\u00e3o da propriedade privada. Os meios de comunica\u00e7\u00e3o, o sistema financeiro, as elites econ\u00f4micas – todos foram c\u00famplices silenciosos ou facilitadores ativos.<\/p>\n
Enquanto milh\u00f5es de brasileiros comuns perdiam o acesso \u00e0s suas economias de uma vida inteira – dinheiro guardado para tratamentos m\u00e9dicos, para a educa\u00e7\u00e3o dos filhos, para a seguran\u00e7a na velhice – uma minoria privilegiada, informada previamente sobre as medidas, conseguiu proteger seu patrim\u00f4nio.<\/p>\n
Os n\u00fameros s\u00e3o frios, mas os impactos foram devastadoramente humanos. Empresas quebraram da noite para o dia, incapazes de pagar sal\u00e1rios ou fornecedores. Aposentados viram suas economias bloqueadas. Fam\u00edlias que haviam economizado durante anos para realizar o sonho da casa pr\u00f3pria viram seus planos destru\u00eddos. Pessoas morreram sem acesso a tratamentos m\u00e9dicos porque n\u00e3o podiam utilizar o pr\u00f3prio dinheiro.<\/p>\n
N\u00e3o estamos falando de abstra\u00e7\u00f5es econ\u00f4micas. Estamos falando de vidas interrompidas, de sonhos destru\u00eddos, de confian\u00e7a quebrada. Um trauma coletivo que permanece na mem\u00f3ria dos brasileiros que o vivenciaram.<\/p>\n
O mais revoltante \u00e9 que, 35 anos depois, as estruturas que permitiram tal atrocidade permanecem intactas. O Estado brasileiro continua tratando o cidad\u00e3o comum como mero detalhe em seus experimentos econ\u00f4micos. A desconfian\u00e7a nas institui\u00e7\u00f5es, t\u00e3o profunda hoje, tem suas ra\u00edzes em epis\u00f3dios como este, em que o Estado demonstrou que pode, quando conveniente, ignorar direitos fundamentais e tratar a propriedade do cidad\u00e3o como recurso dispon\u00edvel para suas manobras.<\/p>\n
A infla\u00e7\u00e3o foi temporariamente controlada, sim. Mas a que pre\u00e7o? A confian\u00e7a destru\u00edda jamais foi reconstru\u00edda completamente. O cidad\u00e3o brasileiro aprendeu, da forma mais dura poss\u00edvel, que seus direitos s\u00e3o negoci\u00e1veis, que o compromisso do Estado com seu bem-estar \u00e9 condicional.<\/p>\n
Relembrar os 35 anos do confisco n\u00e3o \u00e9 exerc\u00edcio de nostalgia amarga. \u00c9 um ato de cidadania vigilante. \u00c9 recusar o esquecimento conveniente que permite a repeti\u00e7\u00e3o dos mesmos erros sob novos disfarces.<\/p>\n
\u00c9 preciso construir um novo pacto entre Estado e sociedade no Brasil. Um pacto em que o cidad\u00e3o n\u00e3o seja visto como meio, mas como fim de todas as pol\u00edticas p\u00fablicas. Um pacto em que a estabilidade econ\u00f4mica n\u00e3o seja conquistada \u00e0s custas dos mais vulner\u00e1veis, enquanto os privilegiados s\u00e3o poupados.<\/p>\n
O Brasil de 2025 \u00e9 muito diferente do Brasil de 1990. Temos institui\u00e7\u00f5es mais maduras, mecanismos de controle mais robustos, uma sociedade civil mais organizada. Mas precisamos estar alertas. A mem\u00f3ria do confisco deve servir como um lembrete permanente: o poder do Estado s\u00f3 \u00e9 leg\u00edtimo quando exercido em benef\u00edcio de todos, quando protege os direitos de cada cidad\u00e3o, especialmente dos mais vulner\u00e1veis.<\/p>\n
\u00c9 hora de exigir um Estado que sirva ao povo, n\u00e3o que se sirva dele. Um Estado que respeite o suor, o trabalho e as economias de cada brasileiro. Um Estado que nunca mais traia a confian\u00e7a depositada nele.<\/p>\n
O dia 16 de mar\u00e7o de 1990 n\u00e3o pode ser apenas uma data no calend\u00e1rio. Deve ser um marco na consci\u00eancia c\u00edvica brasileira, um lembrete constante de que a cidadania exige vigil\u00e2ncia permanente, de que os direitos conquistados podem ser perdidos quando a sociedade se descuida.<\/p>\n
Que esta data nos inspire a construir um Brasil onde semelhante trai\u00e7\u00e3o jamais volte a acontecer.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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