Quem não viveu os horrores da tortura e a dor do exílio não pode sequer imaginar a profundidade das feridas que atravessaram o imaginário de Loreta Valadares. Elas não eram apenas cicatrizes físicas, mas sulcos abertos em sua alma, marcas de uma vida dedicada à luta por um mundo mais justo. Ainda jovem, Loreta abraçou a militância no Movimento Estudantil e na Ação Popular (AP), um compromisso que a levou a enfrentar com coragem indizível as trevas da ditadura militar. Ela caminhou pela clandestinidade, sentiu o peso das algemas ao lado de seu companheiro na prisão e conheceu o amargo sabor do exílio forçado — tudo isso para escapar das garras da morte que a perseguiam. As sequelas da tortura e da repressão comprometeram sua saúde, debilitaram seu corpo, mas jamais tocaram a chama de sua militância comunista, alimentada pelas profundas convicções que sua geração carregava como um estandarte. Este é o objetivo do artigo, explicar para as novas gerações quem foi esta mulher.
Nesta sexta-feira (14), a Câmara Municipal de Vitória da Conquista promoverá uma Sessão Especial em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Durante o evento, será entregue o Diploma Loreta Valadares, honraria concedida a mulheres que se destacaram na defesa dos direitos femininos no município.
Mas será que a comunidade conquistense conhece, de fato, a mulher que dá nome a essa homenagem? Loreta Valadares foi uma figura fundamental na luta pelos direitos das mulheres, mas até que ponto sua trajetória e suas conquistas são verdadeiramente reconhecidas? A condecoração é, sem dúvida, um ato simbólico de grande importância, mas será que aqueles que a recebem e os que a entregam compreendem a dimensão de sua militância e o impacto de seu legado? Em tempos em que a luta pelos direitos femininos ainda enfrenta desafios e ameaças, é essencial que nomes como o de Loreta Valadares sejam mais do que referências em premiações – que sirvam, acima de tudo, como inspiração para ações concretas e transformadoras.
A força de uma mulher que transformou dor em luta
Loreta não era apenas uma sobrevivente; ela era uma guerreira. Cada passo dado em meio à adversidade era um grito de resistência, uma prova de que a brutalidade não podia apagar o humanismo que pulsava em seu peito. Para entender a militante, é preciso enxergar a poetisa que habitava seu ser — uma face delicada e poderosa que dava voz às emoções de um tempo marcado por sangue e esperança. Seus amigos e companheiros, testemunhas oculares da barbárie que a cercou, sabiam que, para Loreta, a vida não era apenas um ato de existir, mas um campo de batalha onde a liberdade e a dignidade humana eram os troféus almejados. Ela nos ensinou que a militância por um mundo melhor não é apenas política, mas um exercício essencial da natureza humana.
Quando militar e poetizar se tornaram um só ato
Havia uma ligação sagrada entre a militante e a poetisa: quando Loreta militava, estava criando poesia; quando escrevia poesia, estava militando. Seus versos eram armas, delicadamente forjadas, que cortavam o silêncio da opressão. Quando declamados, seus poemas ecoavam como um sopro de vida, carregando a sensibilidade da beleza e a crueza da dor de sua geração. Ela tinha o dom raro de rimar com a alegria e a tristeza, capturando nos mínimos detalhes os sentimentos que definiam sua época. Cada palavra que escrevia era um ato de resistência, cada estrofe, um convite para sonhar com um futuro onde a justiça não fosse apenas uma utopia.
Uma defensora das mulheres e do ideal comunista
Loreta também ergueu sua voz em defesa da causa feminina, lutando contra as correntes que aprisionavam as mulheres de seu tempo. No PCdoB, partido que ajudou a fundar, ela deixou sua marca como uma líder incansável. Nos anos 1980, tornou-se professora de Ciência Política na Universidade Federal da Bahia e na escola do partido, compartilhando não apenas conhecimento, mas inspiração. Seus textos sobre os fundamentos do PCdoB permanecem como faróis para aqueles que buscam compreender a luta comunista no Brasil. Ela não apenas ensinou; ela plantou sementes de consciência que germinaram em novos militantes, em novas vozes.
A poetisa que carregava a esperança de um povo
Muito já se disse sobre a advogada, a professora, a militante e a líder emancipacionista que foi Loreta Valadares. Mas hoje, quero destacar a poetisa — aquela que transformava sonhos, emoções, dores e nostalgias em versos que atravessam o tempo. Só através de seus olhos e de seus textos podemos mergulhar nas profundezas das alegrias e das angústias de uma geração que ousou enfrentar o impossível. Em suas próprias palavras, ela nos deixou um legado e um apelo: “Quando as novas veredas do socialismo forem percorridas, lembrem-se de que fui até o impossível freio. Só me faltou o tempo.”
Um legado que não se apaga
Loreta Valadares foi mais do que uma militante ou uma poetisa; ela foi um anjo da resistência, uma voz que ainda ressoa nas lutas por justiça e liberdade. Sua vida, embora curta, foi um testemunho de coragem, amor e esperança. Suas feridas, suas palavras e seu exemplo nos lembram que a luta por um mundo melhor exige não apenas força, mas também coração. Que nunca nos falte o tempo de honrar seu legado, de carregar adiante o sonho que ela, com tanto sacrifício, ajudou a semear.