A história da Constituição de 1988 é marcada por uma narrativa de coragem e determinação, personificada no prefácio intitulado “Constituição Coragem” assinado pelo então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães. Contudo, esse prefácio foi suspenso nas impressões subsequentes, sinalizando desde o início os desafios que a democracia brasileira enfrentaria.
A Constituição de 1988 revelou-se uma guardiã eficaz contra as tentativas autoritárias, mais de 30 anos depois de sua promulgação. A separação dos Poderes e o fortalecimento das instituições que limitam o Executivo foram elementos cruciais na contenção das investidas antidemocráticas do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Duas estratégias foram postas em prática por Bolsonaro, ambas malsucedidas. A consulta aos comandantes das Forças Armadas para a possibilidade de um golpe, um método mais tradicional, não encontrou respaldo. A comunidade internacional e o cenário político eram diferentes de 1964, e a resposta à ruptura democrática seria incisiva.
A segunda estratégia, uma abordagem mais gradual e alinhada à cartilha autoritária contemporânea, buscou minar a democracia de dentro do Estado. A proposta da PEC do voto impresso foi um dos episódios dessa tentativa, mas o desenho do sistema político brasileiro agiu como um contrapeso eficaz.
O contexto da elaboração da Constituição desencadeou um princípio que Oscar Vilhena chama de “democracia defensiva”. O pacto entre setores progressistas e conservadores, desconfiando mutuamente, resultou em uma Carta detalhada, focada em garantir premissas democráticas independentemente de quem estivesse no poder.
A Constituição estruturou um sistema de freios e contrapesos, com separação de Poderes, Congresso bicameral, estados e municípios autônomos, e um STF com poderes significativos. O tribunal, muitas vezes criticado durante a normalidade democrática, emergiu como uma ferramenta crucial para conter possíveis abusos presidenciais.
O federalismo brasileiro também desempenhou um papel fundamental na limitação do poder do Executivo. Durante a pandemia da Covid-19, ficou evidente como a fragmentação partidária e o presidencialismo de coalizão impediram a aprovação de projetos que poderiam acentuar a crise democrática.
A experiência internacional, como a situação na Hungria, destaca a importância de sistemas políticos com proteções robustas contra líderes autoritários. A tradição democrática brasileira, mesmo diante do golpe militar, contribuiu para a resistência ao autoritarismo.
A polarização política, embora tenha evidenciado o apoio de um grupo radical a Bolsonaro, não refletiu a maioria da sociedade. A elite política, mesmo disposta a aprovar algumas medidas do presidente, encontrou obstáculos na fragmentação do poder e na necessidade de negociação.
A ascensão de Lula como adversário de Bolsonaro também desempenhou um papel crucial na estabilização da crise democrática. A reeleição de líderes autoritários, como observado em outros países, intensifica a ameaça à democracia.
No horizonte político, Bolsonaro insinuou possíveis táticas autoritárias caso fosse reeleito, destacando a importância de continuar a vigilância democrática. O papel do Congresso, a força do federalismo e o comprometimento com valores democráticos são elementos essenciais para enfrentar os desafios contemporâneos.
Em suma, a Constituição de 1988 permanece como um farol de esperança e resistência, proporcionando à democracia brasileira os instrumentos necessários para enfrentar as adversidades e preservar os princípios fundamentais que a sustentam. Que essa “democracia em guarda” continue a ser a bússola que guia o país rumo a um futuro democrático e justo.