
Enquanto o século XXI se desdobra como um labirinto de contradições, um fenômeno político intriga e assombra: a extrema direita, como um fantasma saído de um baú empoeirado, insiste em assombrar o presente, enquanto a extrema esquerda, que um dia incendiou praças com utopias, dissolve-se como açúcar no café quente da pós-modernidade. Como explicar que uma corrente política, associada a regimes autoritários e discursos arcaicos, ressurja com vigor, enquanto a outra, que prometia revoluções, se esvai em fragmentos de hashtags e debates universitários? A resposta está na forma como cada uma lida com a moralidade, o poder e as angústias de seu tempo.
A Extrema Direita: Nostalgia, Cinismo e a Arte de Sobreviver
A extrema direita é uma mestra na arte da ressurreição. Mesmo envolta no cheiro de naftalina — símbolo de um passado que teima em não morrer —, ela não apenas sobrevive, mas se reinventa. Seu segredo? Uma (i)moralidade flexível. Seus líderes pregam valores imutáveis (tradição, ordem, pureza cultural), mas praticam um pragmatismo desavergonhado. São moralistas quando convém, cínicos quando necessário.
Essa dualidade é sua força. Em um mundo marcado pela incerteza da globalização, pelo colapso das certezas econômicas e pela liquidez das identidades, a extrema direita oferece uma âncora: a nostalgia de um passado idealizado, onde hierarquias eram claras e os “inimigos” (imigrantes, minorias, “globalistas”) podiam ser nomeados e combatidos. Seu discurso não precisa ser coerente; basta ser eficaz. Alimenta-se do medo do futuro e do ressentimento de quem se sente abandonado pela modernidade. Enquanto promete segurança, seus líderes fazem alianças com o diabo, desde que o diabo lhes entregue votos.
A Extrema Esquerda: Da Revolução à Evaporação
Se a direita radical é um fantasma que assombra, a esquerda radical tornou-se um espectro que já não assusta ninguém. O socialismo revolucionário, outrora capaz de paralisar capitais com greves gerais, hoje se fragmenta em uma miríade de causas pulverizadas. A luta de classes, eixo central de sua narrativa, foi substituída por um ativismo identitário que, embora legítimo, carece de unidade estratégica. A esquerda radical não morreu por falta de ideais, mas por excesso de intelectualismo e falta de chão.
Enquanto a direita simplifica (“o problema é o outro”), a esquerda complica. Seus manifestos são tratados filosóficos; seus slogans, indecifráveis para quem trabalha dez horas por dia. Pior: parte de suas bandeiras foi cooptada pelo capitalismo, que transformou a revolução em merchandising. O anticapitalismo virou tema de documentários da Netflix; a justiça social, slogan de marcas de tênis. A esquerda, assim, tornou-se vítima de seu próprio sucesso parcial: suas ideias foram absorvidas, esvaziadas e recicladas como produtos de consumo.
O Jogo das Emoções vs. A Tirania da Complexidade
A política, hoje, é uma guerra de narrativas — e a extrema direita entendeu isso antes de todos. Ela não debate; emociona. Não convence; mobiliza. Seus líderes falam à víscera, não ao cérebro. Usam redes sociais não para discutir políticas públicas, mas para espalhar pânico (“eles estão vindo para destruir seu modo de vida!”) e cultivar ódio (“nós contra eles”). Enquanto isso, a esquerda radical, em sua busca por pureza ideológica, tornou-se refém de um discurso que só ecoa dentro de bolhas acadêmicas ou de grupos já convertidos.
A esquerda falha em traduzir sua crítica ao sistema em linguagem acessível. Enquanto a direita oferece soluções simples (“fechem as fronteiras!”, “prendam os corruptos!”), a esquerda se perde em explicações complexas sobre interseccionalidade, necropolítica e dialética histórica. O resultado? Enquanto uma conquista o cidadão comum com promessas de ordem, a outra aliena-o com jargões.
Conclusão: A História Não Acabou (Mas Precisa de Novo Roteiro)
Este paradoxo não é um acidente. A extrema direita persiste porque soube explorar o desespero de quem anseia por certezas em um mundo que só oferece incertezas. A extrema esquerda definha porque trocou a rua pela torre de marfim, a mobilização popular pela teorização estéril.
Mas a história não é um beco sem saída. A direita radical, por mais que grite, carrega em si as sementes de sua própria crise: o autoritarismo gera resistência; a negação da realidade (como mudanças climáticas e pandemias) cobra seu preço. Já a esquerda, para renascer, precisa urgentemente de um novo projeto — menos dogmático, mais conectado às urgências cotidianas. Deve resgatar a luta por igualdade sem medo de sujar as mãos na política real, e aprender que, para vencer, é preciso falar não apenas à razão, mas ao coração.
Enquanto isso, o paradoxo segue: a direita, mesmo imoral, sobrevive porque entendeu que a política é um jogo de poder. A esquerda, mesmo cheia de moral, definha porque esqueceu que, sem poder, não há transformação possível. O desafio é romper esse ciclo — antes que o cheiro de naftalina se torne o perfume definitivo do nosso tempo.